Nos primeiros momentos da manhã seguinte, após aquele dia fatídico, o sol já despontava no horizonte... Os primeiros raios de sol invadiam as frestas da nossa humilde cabana no vale de Yontab.

Para nós, era uma manhã igual a muitas outras...

Minha mãe se levantou, seus passos descendo as escadas de madeira eram inconfundíveis...

Todos os dias ela abria a porta do meu quarto, e eu fingia que estava dormindo... Queria ficar mais um pouco na cama... Hoje penso que deveria ter a abraçado mais, esses minutos hoje me fazem falta...

Ela preparava o café enquanto meus irmãos já estavam destruindo a casa, sempre sob o olhar severo de nossa Tia...

Tudo parecia normal para mim, a não ser a falta do barulho do Machado de meu pai rachando a madeira...

Há tempos que não o ouvia, pois ele tinha partido para uma guerra distante...

Mal sabia eu, que naquele exato dia, nunca mais ouviria o som da lenha sendo rachada.

Eu era apenas uma criança, não entendia quando os adultos falavam do Pacto das Águias e Reino Unido ...

A chamada guerra que acabou sendo denominada “Apocalipse” transcorreu de forma violenta...

Mais tarde, quando jovem, tive a oportunidade de estudar a fundo esse tema. Eu me debruçava sobre os livros de História para tentar entender os motivos que levaram o meu pai a morte...

Me lembro dos textos destes livros, me lembro até de suas páginas:

“(...)Ao amanhecer o deslocamento do Pacto das Águias tinha se iniciado quando ocorreu um grande estrondo. O efetivo que se reunia para o ataque ficou sabendo que a vila foi destruída.

O Cmd. Insano, ao receber essa informação designou seus homens para ocupar Domus Dei, que estava sob controle da Polícia da Theodônia e de Soldados de Marruski.

Enquanto os soldados do Pacto das Águias adentravam no vilarejo, o Cmt. Lobo observava tudo do Platô.

O movimento das tropas era frenético. Os oficiais do Cmd. Schimidt ficam sabendo que para adentrar à Vila, era necessário uma proteção contra uma possível contaminação.

Não havia mais espaço para a negociação, os combates se iniciaram.

O Platô da Amizade, por mais uma vez foi o centro nevrálgico do conflito, haja vista que a Vila estava contaminada.

Não era possível uma coexistência pacífica, e por isso se fez necessário a aniquilação total do inimigo. Combates para ocupar lugares estratégicos ocorreram... Foram montadas antenas que iriam triangular as coordenadas para que alvos militares fossem atingidos.

O calor escaldante do dia deu lugar ao frio da madrugada.

Soldados atolados em pântanos, escondidos na mata fechada, ou avançando em campo aberto eram abatidos por seus inimigos. As palavras piedade e misericórdia não foram sequer pensadas nestes dois dias.

Raios luminosos no céu tentavam a triangulação para que os mísseis atingissem alvos militares das capitais dos países envolvidos.

Setúbal, Leogrado, Santa Ana e Dolsen eram os alvos... Suas capitais estavam em pânico.

Domus Dei não existia mais enquanto cidade, porém seu povo ainda lutava bravamente.

De nada adiantou... As antenas foram montadas... Eram ligadas e desligadas... Os computadores não pensam, a tecnologia é nua e crua. Não existe espaço para erros.

Por mais que as antenas tenham sido montadas, em nenhum momento ocorreu a triangulação.(...)”

A Guerra do Apocalipse. Página 32, 33

Stoy, Alfred

Eles falavam que , por falta de uma Triangulação bem sucedida os mísseis lançados por ambos acabaram atingindo alvos civis... Eu não queria saber nada disso, só queria saber se encontraria alguma referência sobre meu pai.

Diziam que cidades de ambos os lados sofreram perdas irreparáveis...

Morando no interior da Península eu ia pouco a Capital...

Fui entender que nosso querido pais, acabou sendo alvo destes mísseis descontrolados pois aqueles bravos guerreiros não conseguiram enviar seus mísseis aos alvos militares.

Nossas escolas, nossos hospitais nossos templos queimaram por dias...

Chamamos este episódio de "Flechas da Morte"

Nossas bibliotecas, ahhh, nossas bibliotecas, Centro Cultural de toda Península hoje não existe mais.

Hoje sou velho, me lembro de quando visitava meus parentes na Capital... Me lembro do cheiro do pão que meu meu avô preparava... Mas não consigo lembrar do semblante de meu pai. Por mais que eu tente, só me lembro de suas mãos, sempre calejadas pelo árduo trabalho que fazia.

Quando terminei os estudos me alistei, queria vingar a morte de todos aqueles que amei. Lutei durante a “Guerra da Ascensão”, em locais que eu nunca teria imaginado estar.

Olhando para o espelho, vejo minhas cicatrizes em meu corpo, me lembro onde as consegui, elas estão curadas, porém as cicatrizes da alma ainda estão presentes...

Malditos, sejam todos amaldiçoados... Se tivessem triangulado corretamente as coordenadas com as tais antenas, meu pai poderia me ver crescer, poderia ter visto meus filhos crescerem...

Sei que a morte é algo natural, o que não é natural é a estupidez humana. Talvez seja.

Muitos dos que sofreram, nada tinham em relação ao conflito.

Eu sofri. Até hoje tenho medo da Luz. Eu tinha ouvido falar das Luzes, ouvido falar da “Festa das Luzes”...

Todos que estiveram no Apocalipse estão mortos. Seus feitos não parecem tão heroicos quando lemos sobre a destruição de suas capitais:

(...) Setúbal foi atingida. A zona residencial foi totalmente aniquilada(...)

A Guerra do Apocalipse, página132

Stoy, Alfred

(...) Capital de Santa Ana teve sua área portuária afetada, por dias corpos eram resgatados do mar(...)

A Guerra do Apocalipse, página132

Stoy, Alfred

(...) A ilha de Testos, pertencente a Leogrado foi totalmente destruída devido ao erro de triangulação dos mísseis.(...)

A Guerra do Apocalipse, página134

Stoy, Alfred

(...)Dolsen também não foi poupada, seus castelos milenares agora são ruínas(...)

A Guerra do Apocalipse, página137

Stoy, Alfred

Os alvos militares nada sofreram, ou melhor, ainda não tinham sofrido nada.

Esse erro provocou um efeito em cadeia que levou todo o continente à Guerra da Ascensão...

Outro dia me perguntaram sobre anjos, se eu acreditava neles... Sim, acredito. Um anjo pode levar a paz ou a guerra... Ele pode ser aquele que conduz a uma vida pacífica ou a uma vida de luta... Por isso que o Anjo da Antiga Vila de Domus dei tinha em uma das mãos uma espada, e na outra um escudo.

Por ironia do destino, a espada e o escudo foram saqueados, ninguém sabe onde estão. Seria um sinal? Seria um sinal para que nós, mortais entendêssemos de uma vez por todas que somos passíveis de erros?

Hoje resta apenas uma parte deste anjo, suas asas ainda estão lá. Como eu queria ter asas, asas para voar para longe de minhas lembranças que insistem em me perseguir.

Agora me recolho, tenho algo importante a fazer... Desejo a paz de todo o meu coração, porém na maioria das vezes desejar não é suficiente... Muitas vezes a paz não é nos dada, ela deve ser conquistada.

Não comece algo que não possa terminar...

 

 

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